O instante em movimento.

O instante em movimento.

Quando a manhã não se lembra do dia, nem o Sol do amanhecer. Quando as paredes do Tempo não impedem que anoiteça. Quando a noite não reluta em se prolongar. Quando tudo parece girar no mesmo lugar a espera de um retorno inalcançável… Então, nada oferece conforto nem enxuga as lágrimas da espera infindável. Nada responde às perguntas esquecidas na eternidade. Nada encobre o sonho explícito de amanheceres e crepúsculos. Nada se agita a ponto de não enxergar o silêncio que se desdobra na sensação de cada momento… Momento que brilha e ilumina a vida de hoje e de agora.

Pe. Rogério Augusto das Neves

Homilia para o 5º Domingo da Páscoa

5º Domingo da Páscoa – dia 03/05/2015 leituras: At 9,26-31 – Salmo 21 (22) – 1Jo 3,18-24 – Jo 15,1-8

A Palavra de Deus hoje nos ajuda a olhar para a grande conquista de nossa vida: a superação de nossa solidão. Somos todos solitários. Universalmente solitários… Fomos concebidos e nascemos numa experiência exclusiva, não importando se outros nasceram ao nosso lado, mesmo que haja coincidência de dia e horário. Na vida vivemos nossas experiências mais profundas de maneira solitária. Ninguém pode passá-las em nosso lugar. Um dia, assim morreremos… sozinhos, como nascemos. No entanto, somos eternamente inconformados com a nossa solidão e passamos a vida buscando superá-la. A solidariedade humana nos permite a vitória sobre a solidão. Por isso vivemos ao lado de pessoas com as quais passamos a dividir nossa vida e a participar da vida delas. Tudo nos leva a isso. Nós buscamos o outro. Só o outro pode nos tirar de nossa solidão. Por isso nos casamos, embora somente o gesto de casar não garante nossa vida de comunhão. Por isso vivemos numa família, num país, numa Igreja, numa paróquia; embora somente ser membro não nos garanta a plena participação. Os meios de comunicação podem nos ajudar; como a relação desenvolvida entre os pais e um filho que está fora do país, através do skype por exemplo; mas eles também podem gerar mais isolamento, como a relação indiferente daquele filho que só fica na internet e não fala com seus pais e irmãos… O isolamento é nossa condenação. E para vencermos o isolamento, precisamos vencer o egoísmo, estar dispostos a ser parte de um povo, de uma família, de uma Igreja, mesmo com todas as dificuldades que isso pode trazer.

A palavra que mais aparece nas leituras de hoje é o termo “permanecer”, nas suas diversas variações. Só no Evangelho aparece oito vezes, na primeira leitura, uma vez, quando diz que Saulo permaneceu com eles em Jerusalém; na segunda leitura, três vezes, quando diz “Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele. Que ele permanece conosco, sabemo-lo pelo Espírito que ele nos deu”.

Permanecer significa a teimosia de lutar contra as coisas que tentam nos tirar de nossa união com Cristo e com os irmãos. A garantia de produzir frutos, isto é, de ser bem sucedido, depende de nossa teimosia em permanecer. O ramo que dá fruto é limpo para que dê mais fruto. Ele permanecerá, não será cortado. E, permanecendo, pode dar frutos. Se não der fruto, será cortado, não permanecerá, e por isso, jamais dará frutos. Daí a importância de permanecer.

Exatamente por isso, vemos na primeira leitura,  a obsessão de Saulo em integrar-se à comunidade dos discípulos de Cristo em Jerusalém. Saulo sabe que não será discípulo de Cristo e não estará unido a Ele se ficar sozinho, se não se unir a Cristo através da Igreja. A palavra religião significa necessariamente relação, relacionamento. Quem pensa poder ser religioso e cristão sem sair de casa, sem descruzar os braços, não sabe o que é religião e não tem nem um conhecimento mínimo da pessoa de Cristo. Ele fez de tudo para reunir um povo. No Evangelho ele diz que nisso o Pai é glorificado, em que as pessoas dêem fruto sendo seus discípulos. Saulo quer fazer parte dos discípulos de Cristo, mas a comunidade tem medo dele e não acredita que tenha se tornado discípulo de Cristo. Ele era um perseguidor dos cristãos. A comunidade se acostumou a viver sob a perseguição, escondendo-se, fugindo, camuflando-se, sem nunca negar o nome de Jesus. Quem quer entrar na comunidade não está buscando as facilidades da “porta larga”, mas está seguindo o conselho de Jesus de entrar pela “porta estreita”.

A comunidade conta com pessoas que ajudam os irmãos a não abandonarem sua busca, mesmo diante da exclusão; e a corrigir a comunidade, através do diálogo, para que acolha quem está sendo rejeitado. Barnabé faz esse serviço na primeira leitura de hoje. Ele vai aos apóstolos para dar um bom testemunho sobre Saulo, e depois acompanha Saulo no seu relacionamento com a comunidade. Ele é um verdadeiro amigo. Alguém que ajuda a pessoa a permanecer em Cristo, e na Igreja, na família, no povo. Barnabé dá um exemplo de como deveriam ser os “padrinhos” que escolhemos para os filhos. Ele é alguém de dentro da comunidade, e próximo da pessoa que quer entrar na comunidade e permanecer nela; por isso ele pode falar da pessoa para a Igreja e pode falar da Igreja para a pessoa. Ele é a figura de um cristão que é verdadeiramente Igreja, que enriquece a Igreja com suas ações. Se não fosse por Barnabé, talvez Saulo não tivesse se transformado no grande apóstolo Paulo. Sem esse grande evangelizador dos pagãos talvez nós nunca tivéssemos ouvido falar no nome de Jesus…

A comunidade finalmente acolhe Saulo. Ele permanece nela, e se torna um grande pregador ali também. Até que atrai sobre si a perseguição dos de língua grega, e a comunidade vem em seu socorro e o ajuda a escapar. O texto termina dizendo que a Igreja crescia na Judéia, na Samaria e na Galiléia, as três regiões de Israel, isto é, em toda a parte; crescia em número, isto é, dava frutos, progredia no temor do Senhor e se consolidava com a ajuda do Espírito Santo, porque sem esse Espírito que é a seiva que nos é dada pela permanência no tronco que é Cristo, nada podemos fazer.

Que Deus nos ajude a permanecer no povo, na família e na Igreja; que nos ajude a permanecer em Cristo e com os irmãos, para que vençamos a nossa solidão, para que criemos solidariedade com os irmãos, pela nossa união com Cristo, e assim sejamos capazes de glorificar o Pai, dando frutos e sendo discípulos de seu Filho.

Pe. Rogério Augusto das Neves